Entrevistas

Hotelaria sustentável: a tecnologia como o melhor aliado

Cada vez mais, a tecnologia está a desempenhar um papel fundamental na promoção da sustentabilidade em hotéis e restaurantes. Pouco a pouco, estamos a ver como soluções inovadoras apoiadas por avanços tecnológicos estão a mudar a forma como estes estabelecimentos funcionam e se tornam mais sustentáveis.

Para discutir este tema, temos o privilégio de entrevistar Gilda Hernandez, Directora do Departamento de Turismo da IQS School of Management, Universitat Ramon Llull. Nesta entrevista, vamos falar sobre o que é considerado um hotel e restaurante sustentável, os benefícios da sustentabilidade neste sector, o impacto que tem na satisfação do cliente e dos funcionários e como a tecnologia desempenha um papel fundamental na criação de operações mais sustentáveis.

1. o que é considerado um hotel/restaurante sustentável e quais são os requisitos a cumprir para obter esta qualificação?

As empresas do sector do turismo têm um papel fundamental a desempenhar na construção de um futuro sustentável, não só minimizando os impactos negativos que causam, mas também contribuindo para a criação de um planeta melhor para todos. Para considerar um hotel ou um restaurante como sustentável, não devemos pensar apenas se realizam acções específicas ligadas às políticas de responsabilidade social das empresas, mas também se estão verdadeiramente comprometidos com os critérios ESG (ambientais, sociais e de governação) para alcançar os ODS. Não estamos a falar apenas de ESG nas suas estratégias empresariais, mas também em toda a cadeia de abastecimento, onde podem medir, intervir, implementar e comunicar estes critérios aos investidores, proprietários, intermediários, fornecedores, empregados e clientes.

Encontraremos hotéis e restaurantes que foram criados a partir da sua origem, da sua missão e da sua visão em consonância com a sustentabilidade, por exemplo, desde o momento da sua construção, utilizando materiais amigos do ambiente, e outros que, por diferentes razões, decidiram transformar-se no sentido da sustentabilidade (desde uma procura cada vez mais exigente nestas questões, a regulamentos que os obrigam a cumprir determinados requisitos ou a motivação de que ser sustentável os ajuda a ser mais competitivos e a reduzir custos).

Quais são os principais indicadores que os hotéis e restaurantes devem medir para avaliar o seu impacto na sustentabilidade?

Existem diferentes programas de certificação em todo o mundo (como o Leed (leadership in energy and environmental design, GST ou Biosphere) e legislação como a ISO 14001 (ferramenta de gestão ambiental) que estabelecem diferentes indicadores e critérios que os hotéis ou restaurantes devem cumprir para serem certificados como sustentáveis. No entanto, é necessário avaliar se estes indicadores são efetivamente cumpridos, se as auditorias demonstram realmente as operações quotidianas das empresas e até que ponto o compromisso com a sustentabilidade ambiental e social destas empresas é real ou um caso de greenwashing.

De um modo geral, podemos dizer que os indicadores estão relacionados com os impactos ambientais, socioeconómicos, culturais e também de governação de um hotel ou restaurante. Por exemplo, podemos utilizar indicadores para analisar a utilização de energia, água, gás e outros recursos naturais, as emissões das instalações, a poluição luminosa ou sonora, os resíduos, o desperdício alimentar, o clima de trabalho, as condições do pessoal, o impacto da empresa na comunidade e as acções de gestão sustentável implementadas.

Como se vê, não se trata apenas de medir e quantificar o nosso impacto no ambiente, mas também nas questões sociais e culturais. Não podemos afirmar que somos sustentáveis só porque cumprimos determinados indicadores de reciclagem e utilizamos materiais amigos do ambiente, se depois pagamos aos nossos empregados salários precários e os obrigamos a trabalhar em horários que não permitem a conciliação familiar, por exemplo.

3) Os hotéis e restaurantes sustentáveis são mais atractivos para os clientes e mais valorizados? Porquê?

Hoje em dia, diria que a maioria dos clientes de hotéis e restaurantes já não é indiferente à questão da sustentabilidade, ao ponto de que fazer algo de errado nesta questão pode custar-nos a reputação da marca, o boicote da marca e, consequentemente, a perda de clientes.

Haverá segmentos de consumidores cujos valores, costumes e estilos de vida são diretamente atraídos pelas acções que promovem a sustentabilidade e que as avaliam de forma muito positiva. Onde se pode dizer que as práticas sustentáveis influenciam a sua tomada de decisão ou a sua perceção de valor. Mas também temos de ter consciência de que há outros clientes que, por exemplo, valorizam a qualidade da comida ou a rapidez do serviço, sem ligarem ao facto de termos ou não um certificado de sustentabilidade.

Nestes casos, as empresas têm de perceber que ser sustentável tem impacto na qualidade da comida e naquele funcionário simpático e eficiente, pelo que, indiretamente, estamos a contribuir para a satisfação desse segmento.

Ao decidir entre dois restaurantes ou hotéis, ser sustentável pode ainda não ser uma razão direta para a escolha do cliente, mas contribui para um melhor serviço e, por conseguinte, para ser mais eficiente, inovador e competitivo.

4) Considera que a tecnologia desempenha um papel crucial na prática sustentável dos hotéis e restaurantes e que medidas tecnológicas existem, são habitualmente utilizadas ou recomenda?

A tecnologia, como já sabemos, pode ajudar-nos a ser mais produtivos, eficientes, a otimizar os recursos e a diferenciarmo-nos. Para mim, a chave é a formação nestas tecnologias. Podemos ter um software que nos ajude a calcular as perdas de alimentos, mas se não soubermos como o utilizar da melhor forma ou como a própria logística pode contribuir para melhorar a situação, não vale a pena continuar a implementar tecnologia.

Primeiro temos de planear o que queremos, quais os problemas que temos, onde podemos ser mais sustentáveis, reduzir custos e depois escolher a tecnologia certa. Podemos ter um robô que entrega o pequeno-almoço nos quartos do hotel, mas se não tivermos alguém na cozinha para entregar o pequeno-almoço a horas ou se as empregadas não forem capazes de limpar os quartos, mesmo que tenhamos robotizado uma determinada parte do serviço, a imagem completa não é coerente.

A tecnologia pode ajudar a adaptar os serviços às pessoas com deficiência, a chegar a novos públicos e a melhorar a acessibilidade. A digitalização dos processos permitirá que os próprios funcionários dediquem o seu tempo a criar valor, a inovar e a refletir sobre a forma de proporcionar uma melhor experiência em termos de sustentabilidade.

A Inteligência Artificial e a análise de dados permitem-nos utilizar melhor os recursos disponíveis e tomar melhores decisões. Ter dados em tempo real para saber, por exemplo, o stock de produtos, as faltas, as quebras, e poder dispor de canais de comunicação com diferentes departamentos, fornecedores e clientes ajuda a melhorar toda a cadeia de valor.

Por exemplo, a tecnologia oferece ao sector do turismo muitas oportunidades para avançar para a descarbonização. Por exemplo, o Grupo Iberostar utiliza a tecnologia Winnoe para reduzir o desperdício alimentar e, assim, deixar de emitir toneladas de CO2. Outras tecnologias que também permitem que os próprios viajantes calculem a sua pegada de carbono, como por exemplo a Troop

5) Qual é a sua principal dica para os hotéis e restaurantes que pretendem melhorar a sua sustentabilidade no futuro?

É interessante saber que as empresas cotadas em bolsa com mais de 500 trabalhadores e as grandes empresas serão obrigadas, em 2025, a apresentar regularmente relatórios sobre a sustentabilidade (Diretiva (UE) 2022/2464 do Parlamento Europeu), com o objetivo de conhecer os efeitos que as actividades das empresas europeias têm nas pessoas e no ambiente, equiparando-os à informação financeira. Tenho a certeza de que, nos próximos anos, esta medida chegará também às PME e a outras empresas. Ser sustentável já não é opcional, é inegociável.

Por isso, o meu principal conselho é que estejam atentos e se preparem para esta transformação das empresas em termos de sustentabilidade, na forma como concebem, fazem, gerem e reportam, não só para cumprir a regulamentação, mas também para inovar e aumentar a competitividade, de uma forma transversal (deve estar integrada em todos e cada um dos processos e decisões da empresa). Estas novas medidas podem ser uma oportunidade chave e significativa para a transição ecológica e social dos hotéis e restaurantes, para reduzir custos, tornar-se mais eficiente e aumentar as receitas.

6) Quais são os benefícios da implementação da sustentabilidade nos hotéis, tanto para a empresa como para o ambiente?

A implementação de estratégias e práticas sustentáveis traz benefícios em diferentes dimensões (ambiental, financeira, marketing, recursos humanos, logística, social, cultural). Ser sustentável ajuda-nos a:

-otimização dos recursos (melhor utilização da água e da energia)

-reduzir os impactos negativos no ambiente (reciclagem)

-diminuição dos custos na cadeia de valor (transportes mais eficientes)

-reduzir os custos (por exemplo, reduzir o desperdício alimentar)

-satisfazer melhor as necessidades dos consumidores

-inovar e tornar-se mais competitivo, diferente dos concorrentes

-manter o talento, profissionalizar o sector

-afirmar a autenticidade da oferta, dos costumes e das tradições

-sinergias com a comunidade e o território

-colaboração para resolver problemas comuns (por exemplo, a insegurança)

7) Quais são alguns dos desafios comuns que os hotéis e restaurantes enfrentam quando tentam implementar práticas sustentáveis? 

Obstáculos: imposições legais não adaptadas à realidade de cada empresa, problemas com as cadeias de valor (os investidores e intermediários começam a exigir um mínimo de conformidade com os requisitos legais e sociais); um consumidor cada vez mais exigente, que reclama qualidade, variedade, criatividade, boa relação qualidade/preço, rapidez, transparência, autenticidade, etc;

Os principais desafios mencionados têm a ver com os recursos financeiros e o acesso ao financiamento necessário para ser sustentável, por exemplo, investir em painéis solares, electrodomésticos com menor consumo de energia, sistemas de reciclagem de água e resíduos, melhorar os salários, etc. Por outro lado, a falta de conhecimentos sobre sustentabilidade e o tempo necessário para formar o pessoal numa nova forma de fazer as coisas, de organizar e de gerir. O processo de mudança pode ser lento e complicado

Por último, penso que outro obstáculo é a dificuldade de toda a cadeia de valor seguir as mesmas directrizes. Se sou um restaurante ecológico mas os tomates que utilizo na ementa foram pulverizados com pesticidas porque os tomates biológicos custam-me o dobro, será difícil ser coerente entre o que proponho e a forma como chego lá.

8) E, por último, pode partilhar um exemplo de um hotel ou restaurante sustentável e explicar como é que eles implementaram com sucesso práticas sustentáveis nas suas operações?

Hotéis Ilunnion, Hotel Princess Negresco, Hotel 1898, Restaurante La Font de Prades, Cozinha dos Irmãos Torres

O ponto verde

Muitas destas empresas têm critérios e indicadores que certamente ajudaram a mudar e a melhorar as suas operações e formas de atuação. Mas, acima de tudo, creio que o que é decisivo para o seu sucesso é o tipo de liderança e governação que implementam para o levar a cabo. Podemos dizer no papel ou nos media que somos sustentáveis, mas se não formos capazes de o implementar na realidade, de ultrapassar obstáculos e de sermos firmes com a missão, será muito complicado. A empresa no seu conjunto, o diretor do hotel, o rececionista, o empregado de mesa, o chefe de sala, o chefe de cozinha, etc., devem estar imersos nesta transformação desde o minuto 0.

 

 

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